Não tenho o privilégio do olfato feminino, mas ao ver a manhã cinzenta de hoje, do lado de cá do fim do mundo, a imaginei mais perfumada ao me deliciar com uma folhagem restaurada, a luzir livre de pó, saída do primeiro banho depois de longa e seca estiagem - não, não há pleonasmo, além de não chover o ar atingiu níveis saarianos de umidade. Já desconfiava desta perigosa vantagem que a mulher leva sobre o homem ao ouvir que pesquisadores a podiam confirmar por meio de suas experiências. É curioso que, com crianças e panelas, o olfato tenha se aprimorado mais do que na caça àqueles bichos fedorentos. Talvez todos os sentidos sejam mais aguçados na mulher ou, para não deixar de ver a bruta fera, o olhar tenha acabado mais perspicaz no homem... Vãs comparações! Depois as chamamos de bruxas e acendemos fogueiras para as imolar, bruxas são, mas por outros dons e segredos, cabrestos e rédeas mais sutis capazes de nos subjugar. Todo homem atento sabe bem das voláteis bruxarias do olfato da mulher. Teme e admira este sentido afiado. Meu cão, no entanto, daria boas gargalhadas diante disto, se aprendesse a ler. Para ele o mundo é um aglomerado de odores, que ele parece manipular como um cego faria com os objetos em uma caixa de onde precisasse tirar determinada peça. Fuça, remexe, revira e acha. Quando vê algo, logo fareja para confirmar - sim, é verdade o que vejo, parece dizer seu agir. Se me procura, segue a marca invisível do cheiro da sola de meu sapato. Às vezes, me avista e corre. Aí, volta para confirmar, com o nariz, o caminho que fiz.
Coisas de cão. Ainda bem que as mulheres vêem e, sobretudo, que gostam de ser admiradas. Ainda bem que os homens vêem e se deleitam tanto em ver, a ponto de morrer pelos olhos como peixe pela boca. Boca que, com muito tato, homens e mulheres, reservaram ao máximo do tato... |
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