basta um clique! 

Publicação esporádica destinada a se perder como o berro da vaca, que todavia muge, apesar da inutilidade declarada de seu berro.

Sonho azul

15/02/00

Bom dia - e é noite ainda, todavia. Os ponteiros apontam seis horas, seis minutos. Os grilos ignoram a convenção dos homens assim como os passarinhos - uns cantam, outros calam. Ilumina o teclado apenas a luz irritante do monitor. Continua noite. Bom dia. Em poucos dias será preciso corrigir os ponteiros dos relógios, que a tecnologia digital não eliminou.

Durante o verão os dias encolhem. Cada noite é um pouco mais longa que a da véspera. A coisa continua outono afora. O ápice, o dia mais curto, marca o início do inverno, do mesmo modo que o solstício de verão se assinala na noite menor.

Fui fazer café. De repente, e muito rapidamente, a noite muda em dia. Sem estardalhaço. Apenas, clareia. Há névoa, muita névoa! São seis e vinte e seis. Os grilos calaram, quase todos... há um último, tímido. Os primeiros pios soam ao fundo. É uma nesga de quase silêncio.

Clareou. A névoa se dissipou toda. O dia apagou os últimos vestígios da noite, salvo aquele grilo tímido, que continua seu cricri. Talvez, seja dos que cricrilam noite e dia. Passam três pássaros em vôo baixo. O primeiro motor de automóvel se faz ouvir. A maior parte das casas ainda não apagou as luzes da noite. Há uma prenúncio de dia azul apesar da umidade matinal...

Junto com a noite diluem-se os sonhos. Some o indecifrável manto de imagens tecido pela humanidade na sala escura dos sonos. Não há vento algum. A imobilidade de cada folha traça uma paisagem quase irreal. Umbral para levar de um reino a outro. A realidade do dia-a-dia, as urgências do cotidiano, erguem-se para mais um dia de tirania.

O manto de sonhos procura outros homens com o mesmo desafio à compreensão. Um grande grilo escuro pula sobre uma folha prestes a ser banhada pelo sol, que já vai alto num céu absolutamente transparente. O azul é capaz de embriagar!

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