Sonhos de uma tarde de outono. O outono prenuncia o inferno. Não, não houve erro de datilografia, digitação ou de imprensa, como se dizia antigamente. O revisor não corrigiu erro intencional do autor a lhe frustrar a intenção de ultrapassar as palavras. Inferno e inverno se confundem em nossa língua e, para mim, no que pretendem significar. O frio se abateu sobre a cidade gigante. Ventos gélidos cortavam a pele ressecada das gentes e o sol, que vez ou outra lançava sombras oblíquas era incapaz de qualquer calor. Nos corpos, o sangue, por precaução, fugia da periferia e as extremidades - as pontas dos dedos e do nariz e as orelhas - pareciam fadadas ao congelamento. Tudo era difícil: falar, andar, mover as mãos e até respirar, que parecia favorecer o resfriamento da alma, por fim. Ela surgiu envolta em pelúcia e arminho, coberta de peles e fechada em si mesma, com lábios e olhos pintados em cores densas e um sorriso de dentes manchados de batom. Prometeu calor para a alma e para o corpo. Nada pediu... Daquele jeito, era impossível adivinhar-lhe as formas e o rosto era uma máscara de Fellini, sempre a sorrir, olhos negros e fundos. Ele vacilou um momento e lhe estendeu a mão gelada. Esboçou um sorriso através da rajada que lhe cortava o rosto. Foram e, nas peles que ela vestia, aqueceu pela primeira vez as mãos no frio que, de repente, assombrara a metrópole e suas conurbações. Por algum tempo se olharam e se descobriram e brindaram o encontro invernal, mas as nuvens se adensaram e o sol não lançou mais lampejos de brilho aqui e acolá. Escureceu. Na bifurcação, tomaram rumos diferentes. Ela se foi, como bicho de pelúcia; até a cabeleira se escondia nos capotes. Ele continuou gelado, não havia o que fazer, encontro infernal não bastara para aquecer. O outono seguiu, rumo ao inverno. |
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