crônica do dia

Todo dia

07/02/02

A "Voz da Polícia", em que se transformaram os noticiários da televisão, assim mesmo, no singular como a "Voz do Brasil" da ditadura de Vargas, que os políticos perpetuam, a "Voz da Polícia" mostrou uma cena singular: policiais armados percorriam, diante das câmaras, becos e passagens estreitas em uma favela, ao que se dizia, à caça de criminosos.

Durante todo o trajeto, com mise-en-scène à Hollywood, um fato pareceu fora do script: surgiam crianças de todas as portas, à medida que a caravana de policiais e repórteres se aproximava. Elas passavam a acompanhar o bando de caçadores sem lobo mau nem vovozinha. Em off, o repórter da tevê explicou: os traficantes mandam a crianças para rua, para dificultar a ação da polícia.

Há apenas 50 anos, as ruas, mesmo as das cidades grandes, eram quase que um prolongamento dos quintais, um pátio de recreio coletivo, onde a criançada brincava de tudo: amarelinha, pique, chicote-queimado, pular corda, cama-de-gato, berlinda, balanço, pião, pipa, gude e, claro, futebol, nem que fosse com bola de meia em mísera linha de passes... Meninos e meninas a brincar juntos, na grande e acolhedora rua. Carros, então, só importados. Eram pouquíssimos e não importunavam: a brincadeira parava quando vinha algum, pois todos queriam ver...

O progresso trouxe automóveis, ônibus, caminhões, metrôs. Nos deu radinhos de pilha, telefones sem fio, satélites que não vemos, computadores e redes. Trouxe uma medicina melhor e vida mais longa. Infinitas vantagens que, em milhares de vitrines, aguçam todo tipo de paladar... Um cartão de crédito deu cem dólares para cada participante do Fórum Mundial de Economia gastar até hoje, em Nova York. Apenas 40% dos participantes usou o presente... Na mesma televisão o presidente do Instituto ETHOS afirma que 33 mil pessoas morrem de fome no mundo, todos os dias.

 

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