Bóia ainda no ar a umidade que a fria madrugada condensou. Depois de uma noite enluarada, o dia chega branco e zangado. É possível desenhar ou escrever nas folhas com a ponta do dedo, aglutinando gotículas quase microscópicas e desvendando nos riscos o brilho da cutícula vegetal. O longe está perto, ofuscado pelo vapor d'água em suspensão - bruma, névoa, ruço, o que for, torna o mundo um recanto.
Acolá, folhas se agitam. Assinalam o deslocar-se de algum bicho e o rumor sugere um pequenino pássaro, comum por aqui - a corruíra ou cambaxirra. Ele logo aparece, ao cruzar o tampo do poço em pequenos saltos como se deslizasse por um trilho, aos solavancos: tururu... tururu... tururu e some de novo na folhagem do outro lado, em busca de insetos, creio.
Tudo se aquieta, envolto pela manta espessa de tanta umidade e, ao umedecer nossas roupas, essa água rouba calor ao corpo para, de novo, se evaporar. Duraram pouco, no entanto, os sinais de um inverno à espreita e o domingo se firmou esplêndido com céu azul e sol beleza, quente, como um dia esquecido de verão, apesar da luz oblíqua, límpida e peculiar da maio. Luz branca de céu lavado.
A noite quente testemunhou grossas nuvens apagarem a lua - lua cheia na noite de hoje - e pingos raros e magros começaram a tamborilar aqui e lá. Vieram pancadas mais aguadas, de curta duração, a limpar um pouco a poeira e a pendurar gotas miúdas nas pontas vegetais, armadilhas de luz para o sol da manhã da segunda-feira. Efêmeras armadilhas que, por um instante se irisam, toda cores, espetaculares, aprendizes de arco-íris que são.
De repente, o arame esticado à guisa de varal se transforma em colar de diamantes numa fileira de gotas. Perto, pousa um pássaro do tamanho de um pardal, cor de ferrugem, linda ao lado do cinza neutro de seus pés, rosto e bico. Ele me olha e voa.
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