Um raio de sol vara espessa cobertura a cruzar céus, lenta e contínua qual pesado trem de carga e bate em cheio neste canto último, na mesa branca, no teclado imundo e me reflete o rosto no monitor antigo, onde a luz intensa e abençoada parece sublinhar a efemeridade inseparável da vida. Estranha terça-feira de chegada de frente fria após seguidos dias de tanto sol, de céu azul e ar seco, imundo - da cidade, ao longe, envolta em tamanha poluição, sobram apenas vestígios. A manhã foi tomada por vôos rasantes e múltiplos pios, cantares e gorjeios. Os pássaros de sempre vieram em grande número e riscaram o ar em mergulhos e vôos rasantes. Depois, os acrobatas adornaram galhos nus como efígies imponentes e encheram de sons e travessuras o dia esbranquiçado. Pareciam excitados por uma razão qualquer - quem sabe alguma ave de rapina os observasse como itens de cardápio. Em seguida, veio a chuva, chuva pouca, insuficiente para saciar plantas e minhocas e, no meio da chuva, chegaram quatro jacus e se ajeitaram nos ramos irregulares da embira, que só outro dia aprendi ser outro nome para o velho chico-magro dessas plagas. Não sei a razão, mas as aves galiformes me pareceram, hoje, muito maiores, verdadeiros perus. A chuva parou. O dia escureceu um pouco mais, deixando no ar uma sensação de ameaça indefinida, com a trilha sonora de um piado repetido e monótono, umas quatro ou cinco notas, sempre as mesmas. Não demorou e a chuva voltou, fina. Os prognósticos são da chegada de ares gelados. O raio de sol tão benfazejo durou não mais que curto instante e os pesados mantos do inverno se estendem mais e mais ameaçadores. É quase inevitável acender a luzes dentro de casa e não são, ainda, três horas da tarde. Ao escrever esta última frase a eletricidade faltou pela segunda vez... e pela terceira, depois. |
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