Foi em Sapiens, de Harari, meu espanto primeiro ante a importância da fofoca no processo evolutivo do ser humano. Depois, soube já ter sido ela sublinhada anteriormente por outros autores. Para o animal que transformou sons — rugidos, berros, assobios, ganidos, balidos e miados — em eficaz e rico meio de informação, seria natural advir muito poder das intrigas e maledicências resultantes de bisbilhotar e cochichar sobre a vida alheia.

Teria sido importante, nos primórdios de nossa evolução, antecipar traços de caráter ou reais ameaças divulgadas ou intuídas a partir de mexericos e fofocas, em uma sociedade ainda desprovida de meios de comunicação abrangentes e, de início, até da escrita.

Nos dias atuais, porém, o sinal do Whatsapp ecoa por todos os lados e uma parte do dia de cada um é dedicada a ler, publicar e repetir notícias, fofocas e crendices nas redes sociais. O poder da intriga se mostrou, então, com todo esplendor e logo a mídia oficial noticiava fatos, reais ou imaginários, que "viralizavam" nas redes sub-reptícias de informação e desinformação.

No presente, me parece ter menos importância a veracidade de uma notícia do que seu provável efeito sobre a psique coletiva. As tais redes sociais se especializam em divulgar fatos cujo conteúdo emocional se dirige ao inconsciente coletivo, sejam eles verdadeiros ou não, pois o efeito psicológico sobre a multidão pouco dependeria da verdade, de o que é.

Florescem em todos os noticiários notícias sobre notícias falsas, as fake news, criações do Homo verbalis utilizando seu instrumento principal, a palavra e com objetivos tão amorais quanto os das pessoas que as engendram.

Evoluímos científica e tecnologicamente, mas continuamos a nos deixar enredar por palavras, ideias, pela imaginação, incapazes de viver os fatos como são.

Mon, 19 Mar 2018 13:42:25 +0000

O sinal do whatsapp é o sinal dos tempos

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Sim, universal e inconfundível!

Mon, 19 Mar 2018 12:33:57 -0300

Oi, Clôde

Outro dia vi o livro de Harari na Livraria da Vila, e não comprei porque achei caro...
Fiquei curiosa pra saber de quando é esse livro (devia ter folheado pra descobrir!) ,
porque o primeiro autor de que tive notícia a respeito do papel da fofoca na evolução
humana foi Robin Dunbar, em um livro chamado Grooming, gossip and the evolution of language
(talvez eu já tenha comentado esse livro com você).

A hipótese mais prevalente entre primatologistas e evolucionistas sobre a evolução da linguagem é
a de que a interação mãe-filho seria o “berço” da linguagem. O que Dunbar propõe é que, mesmo
sem minimizar o papel da interação mãe-filho, haveria um papel fundamental da fofoca, que teria,
em alguma medida, substituído o grooming como fator de coesão e alianças nos grupos primatas no
caminho para o surgimento do Homo.

Provocante, não é?

Quando estive na Inglaterra pela última vez, tentei fazer um contato com esse pesquisador, mas não deu certo.

Quem sabe qualquer hora me animo a tentar ler o Harari na tela (acho que você já me deu essa dica). Por
enquanto, ainda sinto falta do livro pra folhear no colo...

Bjs
Ana

Oi, Ana,

Se você tivesse clicado em "outros autores", na crônica, teria sido levada a sua carta anterior, sobre este mesmo tema...

Com assinalava Nelson Rodrigues, nos repetimos do berço ao túmulo. Eu fiz a mesma crônica de novo e você reprisou seu comentário.

Mon, 19 Mar 2018 19:29:05 -0300

tudo muito bem dito (não necessariamente bendito) e informações úteis, não sabia deste livro Grooming, fiquei curiosa.
Não entedi uma coisa: de quem são os
objetivos tão amorais quanto os das pessoas que as engendram.?

      sem assinatura

Ponto para Nelson Rodrigues ("as coisas ditas uma só vez, e só uma vez, morrem inéditas"). O livro foi mencionado pela Ana Carvalho por ocasião de outra crônica, "Fofocas", há mais de um ano. Hoje, repeti o tema e ela reprisou o comentário, Também fiquei curioso sobre o livro mencionado.

O sujeito são as notícias falsas, as fake news: elas seriam usadas pelo Homo verbalis com objetivos tão amorais quanto os das pessoas que as engendram.

Está errado?

Tue, 20 Mar 2018 11:08:34 -0300

Maravilha, Clode.

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Obrigado.

Saudade.