Nunca consegui levar a sério a suprema corte do país por causa da indumentária dos chamados ministros, com suas capinhas ridículas sobre os paletós escuros, malgrado uma ou outra gravata extravagante pendurada no colarinho, acessório por si só risível, não estivéssemos com o senso crítico anestesiado pelo hábito.

Do mesmo modo, não me foi possível acompanhar a defesa de tese de doutorado, na Faculdade de Medicina da USP, de Aristodemo Pinotti, quando Secretário de Estado da Saúde, igualmente devido às vestes de examinadores e examinando, com vestimentas verdes, de seda ou cetim, enfeitadas no punhos com rendas e outros fru-frus que lembro mais.

Se o hábito não faz o monge, pelo menos cimenta costumes estapafúrdios, os fazendo parecer naturais. As seções do "Supremo" são transmitidas pela televisão todos os dias, em um cenário encimado por um crucifixo, com os julgadores máximos fantasiados com suas capas risíveis a sustentarem ser este um país laico.

Pior só o parlamento inglês, onde os membros submetem seus cérebros ao peso de caricaturais perucas - é o bicho-homem criador de ritos e crenças, autor de códigos e legislações! A necessidade dos rituais foi defendida com ênfase por Maureen Bisilliat na enfoco. Lembro-me de ouvi-la cheio de desconfiança, na época, enquanto misturava rito e crença.

Somos quem somos por sermos quem somos, diria talvez o Conselheiro Acácio, mas ritos e crenças e códigos e leis vieram com o Homo Verbalis e dele não se podem separar, são consequência inevitável da fala e da supervalorização das palavras. Quer se trate de vestígios de antigos rituais ou da opulência das Escolas de Samba - que vão fundo em ritos e fantasias, e ultrapassam as capinhas e as estapafúrdias perucas do reino da Inglaterra. Um viva ao reino da fantasia e às penas dos pavões!

Fri, 29 Sep 2017 10:57:33 -0700 (PDT)

vc eh mesmo muito culto!
fui lah no link do conselheiro acacio - gostei
bjs

      sem assinatura

Papai falava muito dele, você não lembra?
Aprendi com ele.

Sat, 30 Sep 2017 08:57:08 -0300

Oi, Clôde

Na época em que a FFCL da USP ainda estava na Maria Antônia (pré-68),
assisti a defesa de doutorado de um professor (que depois foi meu orientador).
A banca e o candidato usavam batas negras, e o coitado ficava o tempo todo da defesa (tipo 4-5 horas)
de pé em uma espécie de púlpito. As caras dos examinadores pareciam mesmo de juízes em um tribunal.

Quando chegou a minha vez a coisa já era bem mais informal... Mas no colégio as formaturas
ainda eram de bata - branca para o ginásio e preta para o colegial... (não fui a essa formatura, ou não tenho
fotos?)
E dá uma olhada nos vestidos na foto com a minha família: a senhorinha na ponta direita da foto perto dos meus
pais era a Lilian), que tinha pouco mais de catorze anos - e a Cris é a de óculos - um ano mais nova, dá
pra acreditar? E meu irmão, de calça curta, com oito anos...

Mas concordo que as campeãs são as batas do juízes ingleses, com cabeleira e tudo!

Bom fim de semana (pelo jeito, sem sol...)
Bjs
Ana

Oi, Ana,

Obrigado. Sim, sem sol e, aqui, com chuvisco fino...
Se pararmos para pensar nessas fantasias todas, acabamos rindo de nós mesmos.

Mon, 2 Oct 2017 08:30:03 -0300

Que ótima crônica, Clode.
A d o r e i !!!

      sem assinatura

Obrigado.

No fundo, tudo lembra a bagunça e leviandade do Carnaval...

P. S.: Você usa tipografia gigante por ênfase ou para facilitar a leitura?

Mon, 2 Oct 2017 17:41:59 -0300

Que texto impecável e definitivo... Essa pataquada toda é mesmo uma mentirinha boboca se tanto, né?
Você, mais uma vez, mirou no centro da mentira. O Rei está morto e pronto. O resto é redundância, acredito.
Um boa noite por aí nesta bela cidade, na beira do Sol de todo dia, sem falta.

beijinho

      sem assinatura

Boa noite!

Que bom que você gostou. De fato, toda essa encenação me afasta.
Hoje o tempo por aqui virou: ventou, chuviscou, árvores caíram, mas está abafado e quente.