A doce vida
12/09/16
– "Na direção do futuro vejo nuvens escuras, um céu carregado..." - falou com voz rouca a vidente sob o turbante de chita escandalosa. Ele contemplou seu rosto marcado e lhe pareceu ver constelarem-se acasos negativos a deprimir o elã das pessoas e exaurir sua energia vital, o natural impulso de ser e fazer. Na banca de jornais as notícias contavam desgraças, atrocidades, descalabros, maldades e desonestidades a retratar generalizada deterioração social. Destacavam guerras, crimes, roubalheiras e malfeitorias em letras garrafais e, nas miúdas, falavam de governantes desgovernados a açoitar sem controle súditos atordoados. A cena lhe evocou algum filme genial ao som de Wagner, para dar cores apocalípticas ao flagelo social. Ao mesmo tempo, via a ciência florescer e a tecnologia progredir exponencialmente. Máquinas robotizadas se incumbiam cada vez mais do trabalho bruto e aos homens sobrava tempo vago, fazendo do ócio outra ameaça, não obstante as pequenas maravilhas a interligar pessoas e permitir amplo fluxo de informações. Os noticiários se esforçavam para ventilar alguma boa notícia, órfã, em destaque especial, realçando a ausência de boas novas. A mídia exercia bom controle do modo de pensar e moldava satisfatoriamente o "livre-arbítrio" da multidão. Seguiu a enxurrada desencadeada pela profetisa na saga a se alongar e se ramificar em desencontros e disputas até uma incomensurável incompreensão. Via se multiplicarem modos de "preencher o tempo", ocupar a mente, entreter indivíduos, pois a corrosão do ócio levava à busca de um vício qualquer, algum tipo de torpor de consequências imprevisíveis. Na outra margem, inatingível, ela chamava, sorria, acenava, mas o rumor das ondas impossibilitava a comunicação e a constelação de acasos negativos se diluía no doce título de "La Dolce Vita".
Caso a imagem não apareça animada, a sequência pode ser vista no sítio do clode. |
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