Chegou, cigarrinho fino nos dedos, pois estava parando de fumar e, com um assobio cristalino, imitava proclamações de sabiás. primo Nicolau, depois das preliminares de praxe, desabafou: — Primo, posso explicar o resultado. Sei por que ela perdeu. Não foi preciso muito para entender que se referia à reeleição do prefeito de São Paulo, ou melhor, à não eleição de sua ex-prefeita. No embalo da cadeira de balanço, o primo desenrolou uma inaudita teoria sobre os motivos da derrota esmagadora, com a conseqüente vitória do prefeito. Não procurou contornar nada, foi imisericordioso: — Ela se perdeu pela máscara, primo, pode crer. Mudaram-lhe o rosto até que se tornasse insuportável. Naquela face é difícil decidir em que olho acreditar. A expressão de um, o outro nega. Um mostra compaixão enquanto o outro rasga o mais sarcástico riso. Ouvi e calei. O primo parecia tomado e seguiu como água de rio antes de cachoeira. — Tanto marqueteiro, tanto analista político, multidões a militar, torrentes de verba e ninguém lembrou do poder decisivo do rosto, do papel crucial na comunicação, de um rosto. Como sublinhava o outro, com um pouco de imaginação, se pode supor "o que representou para nossos antepassados poder ler na face dos semelhantes o que eles não sabiam ainda dizer. Para um animal social, prestes a grunhir suas primeiras palavras, só pode ter sido uma enorme vantagem saber lidar melhor com o envio, recepção e interpretação dessas mensagens faciais. Isto explicaria como, através de milênios, tais mecanismos evoluíram até o alto grau de sofisticação e eficiência atual."
Sorri, ante a citação e a obstinação do primo ao atribuir a um semblante redesenhado a explicação do insucesso... É difícil acreditar no rosto quando um olho desdiz o outro mas, em política, sempre tem coisa por baixo do angu. |
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