Dorotel apalpou os bolsos ao se aproximar da porta giratória em busca de metais. Sabia que o velho molho de chaves sempre passava. Como o movimento era grande, a porta girava depressa. Na gaiola de vidro, por um instante, Dorotel vislumbrou mulher deslumbrante, do outro lado - entrava? saía? Ali, tão perto e isolado, um devaneio, antigo delírio atemporal. Calculou - ou seria mera intuição? - deu outra volta, olhar fixo na aparição, mas ao passar por fora, não viu mais a calçada de onde viera e, zonzo, seguiu o rodopio da porta alucinada - para dentro! atrás dela! e lá buscou de um lado e de outro o vislumbre que lhe evocou inexplicável saudade de um sonho que nunca sonhou. Só então percebeu o átrio imenso, rico, pé direito alto com colunatas de mármore de capitéis metálicos. Procurou refazer seus últimos minutos ante a incômoda sensação de ter-se perdido no espaço e no tempo. Entrara em um banco qualquer, agência de periferia, esperava guichês horrendos, riscos amarelos no chão ou fitas a conduzir gente como gado. Ali, não, era luxo só.
Decidiu voltar e repisar seus passos, tentar de novo - ou em paz com a loucura ou reencontrar o velho Dorotel. Dorotel? muito prazer, Dorotel. Foi, e a porta giratória girava como carrossel. Esqueceu o gesto de apalpar os bolsos antes do giro, do flash da luz do exterior, reflexos nos vidros, o movimento e as imagens móveis e a movimentar outras, refletidas e multiplicadas - se viu fora outra vez. Fora, gostou da areia fofa e quente e da luz a reverberar e ofuscar e do som batido, repetido e inesquecível do mar. Girou com vagar a volta inteira e nem ligou por não haver mais banco, nem gente, nem buzinas, nem contas a pagar... Caminhou, descalço, para molhar os pés e não se perguntou se ela era real. Ela, que o esperava radiante entre as espumas das ondas... |
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