Estou paralisado como o sapo que, na história de infância pára imóvel diante do olhar - ela, a história, não falava da língua partida, órgão de olfato e, muito menos, do sensor de infravermelho, que muitos ofídios têm, a lhes permitir localizar a presa mesmo no escuro, pelo calor que emite - diante do olhar, eu dizia, da serpente.
No meu caso, o olhar que paralisa, é mais que olhar, é o texto de Benito Barreto, que me fascina e muito mencionei, mas que posso, se um único parágrafo me faz perplexo e o gozo como obra completa, que se fecha em si, acabada, pronto para embrulhar e levar, ou beber, ou... ler. O aprendiz apenas aprende que nada aprendeu. Duvida? Copio:
"O sacristão dobrava caprichosamente os paramentos e os ia pondo no gavetão agora com a ajuda silenciosa da mulher. Ele amava as velas. Falava-lhes enquanto as acendia ou apagava e arranjava mil razões para pô-las a arder, noite e dia, em holocausto. Contudo, tinha sempre muita pena delas, das velas brancas e esguias chorando lágrimas no castiçal. Antes de caírem, as lágrimas endureciam, agarravam-se ao pobre corpo das velas, um testemunho imóvel, mudo, do pranto chorado cada missa e cada reza. Assim até o toco, até nada mais restar que o pavio preto, pequenino carvão de antigo corpo a perder-se entre as duras armações, as armações estranhas do choro amontoado. Enquanto Nair erguia os olhos para o altar sem entender, Venâncio começou a arrancar as gotas acavaladas no metal dourado: umas, redondas, miúdas. Quase contas; outras, alongadas e finas, mais choradas talvez... e com que desvelo respeitoso ele o fazia! Demorava-se a contemplar o impassível metal em que rolara o pranto da cera gasta em tantos anos! Ah! Quantas velas ele vira morrer e quantas, bonitas, tão alvas, o pavio como um penacho virgem, ele próprio cravara, sem dó, para queimar!"
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