Publicação esporádica, a perder-se como berro de vaca, que todavia muge, apesar da inutilidade declarada de seu berro.
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Café-com-leite10/02/06Ontem, lembrava de um amigo e colega de faculdade que adorava carros e morreu jovem ao volante. Percebia como percorrera uma convivência intensa com um grau mínimo de consciência do que, de fato, vivia. Vivi como uma espécie de autista. Tudo me evocava o manto de sonhos que Buñuel dizia envolver terra em milhares de imagens a cada noite "... envolvendo a terra num manto de sonhos perdidos." Mas imaginava manto menos poético - um manto espesso de saberes e segredos, de virtudes e pecados inconfessáveis que, também todos os dias, vai para túmulos, piras, fornos crematórios ou para o fundo do mar, do lago, do rio, da lagoa... O mistério da morte não está no futuro dos mortos, mas em seus passados, bem vivos. É o mistério de suas vidas. Assim, ao anoitecer e apesar da garoa, caminhei para o armazém em busca do café-da-manhã. Diante da escola de tênis, a vizinha e amiga me cumprimenta. Puxa conversa, apesar do chuvisco e conta que foi ao Rio - prestas contas a um carioca. Pergunta se conheço a Fundação Casa de Burle Marx. Ela, que faz jardins e é bióloga, fala, deslumbrada, do encantador recanto de Jacarepaguá. Fechava-se o ciclo de mistério e acaso. Conheci a casa e sítio do Burle Marx, levado por este amigo, para uma feijoada de sábado, preparada pelo próprio Burle. Passamos a conferir um mesmo lugar visto mais de 40 anos depois... Ela contou que foi em excursão, com um grupo que percorria trilha já definida, em 90 minutos e voltava para o ônibus. Disse: tudo que queria era ficar o dia todo ali, naquele paraíso, livre par ir ou não ir. O chuvisco virou chuva. Ela me deu carona para não nos molharmos mais e fomos, com a coincidência do encontro e do assunto e nossa dificuldade em "entregar nosso destino ao acaso e aceitar sem fraquejar o mistério de nossa vida", como também assinala Buñuel. |
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