Imagens da televisão, de pessoas metidas em múltiplas camadas de agasalhos a bafejar umidade, materializada à porta da boca no contato com o ar gélido, contrastam com o dia azul de calor e sol ardido e promessas de tempestades, à tarde, cultivadas na evaporação de tanta umidade.
Apesar do contraste, à noite, se espera o tal Papai Noel, de lá, do frio, por aqui. Papai Noel já multiplicado nos shoppings, lojas, ruas, botequins por uma barata clonagem comercial. À noite, na certa, se replicará ainda em muitas casas a encher e esvaziar sacos e semear dúvidas sobre realidade e imaginação. As crianças, um dia, se saberão enganadas junto com a frustração de um sonho de bondade.
No entanto, a contradizer algumas previsões, o dia segue esplêndido, céu azul e sol beleza e as nuvens, a se colacionarem para a intempérie, são lindas. Aproveito para rabiscar um esboço de carta para Papai Noel:
"Querido Papai Noel, em meio a tantas, esta cartinha vai na contramão, é uma carta gauche, não vem pedir para você trazer nada, mas o alívio de tanta matéria a me pesar na mente, antes dos ombros. Não tardará o meu ponto final e seria tão bom poder, como a formiga rainha ao voltar de seu vôo nupcial, sacudir-me de tanta tralha inútil, como inúteis se tornam, então, as asas ao inseto. É isto, obesa figura do barrete vermelho: caso venhas, leva o que puder e não me deixe nada. Em vez da ilha paradisíaca, agora sonho com paredes brancas, um tatame e um travesseiro - um 'orelheiro', como dizem os franceses, para uma orelha peluda."
Nota: Em 1966, comprei uma câmera fotográfica com o sinal de um trabalho grande. Coloquei-a sobre o piano de cauda herdado e lá ficaram, intocados por muito tempo, os dois 'bens', como ícones de uma posse que nos possui. A sombra da máquina sobre o instrumento ainda hoje me assombra.
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