|
Cego e surdo25/01/06Nesta semana sublinha-se em mim a audição. Deve ser coisa de velho, se não for de louco, mas há dois dias o mundo me parece muito mais ruidoso e, de repente, me vi com saudade de um silêncio... Hoje, feriado, a poucos minutos do nascer do sol, deveria haver menos barulho, mas não, a cidade veio e, com ela esta invasão impossível de evitar - ouvidos não têm pálpebras ou coisa parecida. Três aviões a jato passaram rumo ao aeroporto enquanto se escrevia isto. Um quarto seguiu, mais longe, monótono. Lá vem um quinto... Há um fundo, um ruído permanente e indefinido, um ronronar feito de muitos motores e outras máquinas dos homens. Em primeiro plano, a sinfonia de grilos persiste, apesar de já ser dia. A passarada está mais quieta hoje. Ontem, pareciam alucinados... Um bando de corruíras fazia tanta algazarra sob a janela que acreditei haver um ninho por ali. Maritacas passavam de um lado para o outro, sempre aos gritos. E há os malditos helicópteros, que me evocam sempre guerra e polícia. Em verdade estou como um cego, sou todo ouvidos. Um galo canta, Outro avião - parece mais perto desta vez. Um cão late e pássaros acordam para o dia e o anunciam em pios e gritos. Muitos latidos ao longe. Há oito anos, chegou um computador e logo o levei de volta ao "japonês" para reclamar que não suportaria o barulho que aquela coisa fazia. Ele, com fleuma oriental, pegou um cabo e o ligou para conferir. Fiquei com cara de bobo: a máquina era absolutamente silenciosa, lá, na barulheira de São Paulo. Aqui, de volta, o barulho era o mesmo, ou pior... Bem, sempre se elege um sistema de referência, não é Albert? Os bem-te-vis começam declarações territoriais. O galo canta de galo em seu galinheiro. O coral de grilos nunca pára. No fundo, o silêncio que buscamos é outro e não depende dos ruídos externos. |
|home| |índice das crônicas| |mail| |anterior| |
|