Publicação esporádica, destinada a se perder como o mugido da vaca, que continua a mugir apesar de se declarar inútil seu berro.

Que anjos, que águias, que fúrias, quem varre os céus enquanto dormimos? Quem os varre para tudo amanhecer com fundo azul mais azul, como hoje, um azul ainda pálido, face ao glorioso azul-celeste de certas tardes de outrora, quem os varre?

Talvez ventos faxineiros prepararam esta manhã cristalina de final de inverno. A luz do sol parece mais branca, mais pura, mesmo se estes adjetivos definam mal e pouco a luz. Cada coisa parece se destacar melhor. A paisagem, a mim, parece mais tridimensional. As texturas, embora as toque só com o olhar, parecem-me mais fáceis de apalpar...

É como se tudo proclamasse uma primavera precoce - abundam folhas e brotos de um verde claro e vivo e flores, ora, flores nunca faltam, em nenhuma ocasião. Do fundo sonoro, se encarregam sabiás.

Em verdade, a diferença está no contraste da cena. Vem da acentuada distinção entre o brilho do sol nas folhas novas, contraluz, e as sombras duras, recortadas e bem escuras o condão de efeito especial, de uma magia capaz de dar à paisagem... um aspecto mais crocante.

O dia avança, o sol monta. A encantadora cor de fundo empalidece, como se reagisse a tanta barbaridade sob os céus. Ainda azul, o firmamento se estende como incomensurável bandeira sobre nossos sonhos e, do céu desta manhã de um inverno a terminar, o azul cutuca cada um com uma saudade incógnita, cada um que desviou o olhar, por um instante, da roda-gigante do progresso, do carrossel desgovernado do "quem dá mais?", da eterna olimpíada de vaidades, do dia por ganhar, do suor em troca de pão, do imprevisto a espreitar, dos vazamentos da conta bancária, dos bichos-papões de um dia-a-dia tão familiar...

Sobre a vida em que nos matamos para sobreviver, espraia-se o azul a convidar a um desconhecido mas, pela fresta do medo, o urgente nos sorri...