autora: Mima 

Dois de outubro

02/10/13

Há sete anos, se publicava aqui a croniquim de um dia cinzento e escuro, povoado de cantorias de sabiás e galos e mais alguns murmúrios e rumores a encher de sons as redondezas. Um chuvisco incerto ameaçava aquele dois de outubro. É impossível qualquer certeza sobre como será a aurora iminente, mas sem dúvida estará povoada de sabiás e outros passarinhos, sem o canto do galo, porém. Não se ouvem mais galos por aqui. O "progresso" é célere

Ao reler a pequena crônica, um parágrafo sobressaiu e ouso repeti-lo aqui: Como cantam os sabiás! Mas entoam sempre a mesma melodia. Que condão do acaso ou evolução tocou o ser humano? Com que varinha mágica lhe tangeram o cérebro? Quando chamou o quê, pela primeira vez, de Deus? Que equilíbrio surpreendente lhe permite desequilibrar a natureza e, quiçá, o mecanismo universal?

Não resisto, tampouco, a repetir reprodução usada, então, para ilustrar o texto. As grandes obras primas são capazes de dizer mais e melhor do que palavras. Ei-la:

Michelangelo, Criação - detalhe
Michelangelo, Criação - detalhe

As abelhas fazem sempre a mesma colmeia, com favos sempre iguais, ainda que os ângulos dos hexágonos sejam os ideais para obter o maior espaço possível com o mínimo de cera. Não fazem variações, como também os sabiás são incapazes de improvisar.

Ontem, o entardecer foi quente e ensolarado. Agora, na madrugada, a abóbada se fechou em nuvens e, neste momento, começa uma chuva fina. Mal dá para ouvir. Outubro é mês de tempestades com trovoadas, ventos e raios mas, por enquanto, o mês chega de mansinho, na ponta dos pés. Troveja, mas foi uma trovoada solitária. Outra, agora, longe ainda. A chuva aperta. Parece que a tarde de ontem foi um hiato no clima chuvoso da primavera.

A chuva aperta. Já podem dizê-la copiosa. As trovoadas estão mais próximas. Se chover muito forte até os sabiás podem calar no amanhecer, apesar da estação.

02 de outubro de 2013 12:14

O hiato entre o humano e o resto dos animais vem sendo investigado pela Ciência com resultados surpreendentes. Dá uma olhada.
http://www.ted.com/talks/frans_de_waal_do_animals_have_morals.html Se Vc não tiver paciência para o inglês, tem legendas em português do Brasil. Abração. Ebert

Ainda não vi, Mas li, ha algum tempo, com grande gosto o livro dele Frans de Waal "Eu, primata". Vou olhar e depois digo. Obrigado


02 de outubro de 2013 12:48

Clode, q horas vc escreveu isso? antes do amanhecer do dia 2, suponho ...
adorei o txt todo, principalmente o parágrafo d'então ...
bjs Maren

Mais ou menos às três da madrugada.

   (queres dizer d'antanho?)

Bem, foi por gostar dele que resolvi escrever...


02 de outubro de 2013 16:26

nossa, Clode, que LINDO!!! que poética prosa! que sacadas sábias! E olha: o trecho que gosto menos é o de 1 ano atrás, não que discorde do conteúdo (sábio também), mas prefiro o estilo mais simples e direto do resto. Adoro vc dizer que "o mês chega de mansinho, na ponta dos pés".

Hoje de manhã o sabiá me acordou e pensei que devia ter parado de chover a chuva forte da madrugada, pra ele estar cantando assim. Me ocorreu que poderia acordar meu neto que estava dormindo aqui, coisa que eu só poderia pensar assim meio dormindo ainda, porque ele está acostumado aos sabiás e além disso tem sono pesado, ainda bem.

      sem assinatura

Eu entendo e concordo com você. O mais bonito é a linguagem simples. Observação, não foi ano passado, mas há sete anos! Todavia, gostei daquele trecho e foi isto que me levou ao teclado...

O canto do sabiá (tem um cantando agora, aqui perto) não pode acordar uma pessoa sadia.

Bjs,


02 de outubro de 2013 22:38

Se pudesse decidir algo decretaria que a chuva só poderia cair nas madrugadas. Adoro acordar no meio da noite e ouvir a chuva! O canto dos sabias tem me acordado!
maria helena serrano

O canto te acorda ou você acorda e ouve o canto dos sabiás?

Uma vizinha me disse exatamente isso, outro dia, sobre a chuva. Que chova de madrugada!

bjs


05 de outubro de 2013 20:45

lendo o seu belo texto (como sempre) sobre... digamos: as estações...

esbarro num notícia apavorante: as abelhas estão desaparecendo.

verdade. no continente europeu, e mesmo em regiões dos EUA... as abelhas estão sumindo.

fizemos, sim!, um belo estrago no nosso belo planetinha.

e as abelhas?

triste, muito triste....

      sem assinatura

Há pouco tempo descobri aqui, sob um vaso emborcado (sem poças, sem dengue) uma colmeia. Elas entram e saem pelo furo do fundo do vaso. Pareceram-me abelhas européias, comuns.

No entanto, com o desmatamento de cerca de 700 mil metros quadrados de mata para fazer "Alphaville" Granja Viana, deu para perceber uma queda na produção da jabuticabeira e de outras frutíferas - elas dependem do serviço das abelhas e outros insetos polinizadores.

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