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A Estrela d'Alva
02/06/17
"A Terra em sua órbita já se aproxima do solstício e expõe ao sol, ao máximo, o setentrião, resultando-nos, ao sul do equador a escassez máxima da radiação da vida, da luz do sol". Copio-me à guisa de introdução, mas o evento indutor destas palavras foi outro e não a coincidência de estar a Terra no mesmo pedaço da órbita na mesma data, dois de junho, três anos depois. Provocou o desejo de assinalar outra coincidência a exuberância da Estrela D'alva, o planeta Vênus, nas madrugadas, pouco antes do dia raiar, tal como acontecia nos tempos daquela crônica, intitulada com o nome do planeta. Os madrugadores (mesmo se voltarem a dormir) certamente se deleitarão ao olhar o céu noturno, ao leste, pouco antes de clarear. "Vênus luzia sobre nós tão grande, tão intensa, tão bela, que chegava a parecer escandalosa, e dava vontade de morrer" compôs ao correr da pena Manuel Bandeira, ao contar sua viagem de canoa, na madrugada, rumo a um sítio em Mangaratiba, no Itinerário de Pasárgada. Li estes versos na Antologia Nacional, de Fausto Barreto e Carlos de Laet, ainda adolescente. Desde então, o escândalo da luminosidade do planeta chamado de Estrela, a inspirar poetas e cantadores, quando tão próximo da Terra como agora, reprisa em mim os versos do poeta. Neste momento, a distância de Vênus é ainda menor que em 2014 e um simples binóculo o mostrará iluminado apenas parcialmente, como a Lua crescente ou minguante.
Cada cume conquistado descortina novo horizonte e amplia, também, a vastidão de espaços virgens a conquistar. A "vontade de morrer" provocada pelo brilho intenso do corpo celeste talvez traduza a efemeridade da vida humana na escala de tempos siderais. O desejo aguçado pela Estrela da Manhã será atendido, é apenas uma questão de tempo. A folha se desprende, cai e aduba o chão. Morre, a floresta não. |
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