crônica do dia

Gaia

12/08/02

Adelaide a personagem leve e sorridente nasceu do slogan de um parque de diversões: diversão é tudo neste mundo. Adelaide, para quem o mundo se repartia entre picadeiros e passarelas, Adelaide que andava em bandos com palhaços, pierrôs e arlequins e levava de quebra, no séquito, meia quadra da Beija-Flor, morreu.

Adelaide, lembra, amável leitora, criamos juntos a examinar que mal poderia haver em querer sempre se divertir. Mas são outros os tempos, outros os costumes, de comportamento e vestir, e Adelaide, agora é Gaia. Na nova roda muito mais gigante, muito mais azul, Gaia deixa o baile e mascarados sem mágoa, deixa personagens e a pantomima de Adelaide sem saudade nem rancor. Deixa marqueteiro e slogan silenciosamente.

Gaia emerge nua de Adelaide, sem crisálida nem véu e voa sem adeus, choro ou risada. A nova Gaia e o velho palhaço seguem sempre em frente, de braços dados, sempre em frente, rumo ao horizonte, ao ofuscar do pôr-do-sol na paisagem que se amplia e os devora. Sempre em frente.

Lá, o funcionário do parque de diversões era só um ardil que engendramos juntos, o cronista e as leitoras, para tecer morte exemplar, matéria bruta de novela barata. Agora surge esse velho palhaço a se afastar sempre, com Gaia pelo braço e a paisagem de cromo déjà-vu, batido e lambido de marés inconscientes de todos nós.

Gaia busca o quê? Sonhos de felicidade, lampejos da divindade? As marcas indeléveis de uns poucos segundos entre os cerca de dois bilhões que fazem uma vida? Amor? O amor de tantos adjetivos, amor isso, amor aquilo, do corpo, do coração - corpo também! - do coração figurado, imaterial, da alma, alma que se lava na bacia que quiser, amor sujo até.

O sol some. A noite celebra mais uma vez o espetáculo da proximidade da Lua - como afiada lâmina de cimitarra - e da Estrela Vésper, um dos nomes que o povo dá ao planeta Vênus. Não percam o espetáculo.

 

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