foto de 5 de dezembro de 2015

Mente loquaz

16/05/16

Os três vinham em sentido oposto, mas só atraíram minha atenção quando já próximos e devido ao timbre e entonação de uma voz feminina em franca falação. Interpretei como um falsete fruto de exasperação, uma voz mais aguda devido a um estado de espírito e logo tal percepção desencadeou outras cogitações sobre os conteúdos da fala.

Ali, o texto desaparecia face aos significados sonoros do discurso, da "música" a sustentar as palavras e ainda uma vez voltava uma pergunta antiga: quanto importam as palavras, o conteúdo, quanto as nuances e modulações? E, como em outras ocasiões, coloquei mais fichas na entonação, mas logo lembrei de ter ouvido, na ida, uma conversa atrás de mim e, após tentar inutilmente a compreender, diminuí a marcha para ser ultrapassado e ver as fontes das falas.

Eram dois rapazes mulatos em animada conversação falando um idioma totalmente desconhecido para mim e, então, pouco liguei à inflexão ou modulação da conversa, queria apenas descobrir o idioma usado. Ato contínuo pensei: a entonação não é tão importante assim, ela só sobressai ao ultrapassar os limites da normalidade, será?

A cabeça é mais loquaz que todos os transeuntes e no mesmo instante pôs a questão: se estiver ventando, um vento forte, a voz se altera como no "efeito Doppler-Fizeau"? Se alguém fala a favor do vento e, depois, fala contra o vento, ouviríamos a mesma voz ou uma mais aguda antes e outra depois, mais grave? Efeito produzido pelo vento e não pelo deslocamento relativo da fonte e/ou observador. (Creio imperceptível a diferença!)

Ah, pensamento voraz sempre a cuidar de inutilidades e a escapar do essencial, a fugir da situação concreta, do fato, do presente!

Continuei pela calçada poliglota, desatento à cena inédita de cada momento e aos sons somados e ofuscados pela loquacíssima mente.

Mon, 16 May 2016 10:44:15 -0300

nossa, que barato! que legal!!!! toda mente é loquaz? IgualMENTE loquaz? Aí vai mais uma inutilidade pra "ela" (a mente) se ocupar :)

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Provavelmente não. Algumas talvez sejam mais barulhentas e outras mais indolentes... Não é possível comparar, creio. A atividade elétrica, passível de aparecer em um eletroencefalograma, não corresponde à loquacidade ou tumulto da mente. A inviolabilidade do cérebro alheio sempre me impressionou.

O seu "igualMENTE" me lembrou uns versos que vi, há muitíssimos anos, pichados em um muro branco da avenida Brasil: "eternamente / é éter na mente / e ternamente". Talvez houvesse mais, não lembro.


Mon, 16 May 2016 22:39:52 -0300

A mente é muito barulhenta, não é à toa que Beethoven ouvia dentro dela para compor depois de surdo.

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Que ótimo exemplo, obrigado!
Imagine, a Nona ecoando dentro da cachola!
Que maravilha!


Sun, 22 May 2016 18:53:08 -0300

como sempre, seu texto é mais gostoso do que as outras letrinhas que pululam por aí...

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Como papai costumava dizer, "são os seus olhos"...
Obrigado.


Tue, 7 Jun 2016 18:25:47 -0300

Gostei mesmo foi do...
poliglota desatento...

Na mosca!!

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Sem dúvida, um erro meu ao pontuar: "Continuei pela calçada poliglota, desatento à cena inédita..."

Obrigado. Vou corrigir.

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