Mente loquaz
16/05/16
Os três vinham em sentido oposto, mas só atraíram minha atenção quando já próximos e devido ao timbre e entonação de uma voz feminina em franca falação. Interpretei como um falsete fruto de exasperação, uma voz mais aguda devido a um estado de espírito e logo tal percepção desencadeou outras cogitações sobre os conteúdos da fala. Ali, o texto desaparecia face aos significados sonoros do discurso, da "música" a sustentar as palavras e ainda uma vez voltava uma pergunta antiga: quanto importam as palavras, o conteúdo, quanto as nuances e modulações? E, como em outras ocasiões, coloquei mais fichas na entonação, mas logo lembrei de ter ouvido, na ida, uma conversa atrás de mim e, após tentar inutilmente a compreender, diminuí a marcha para ser ultrapassado e ver as fontes das falas. Eram dois rapazes mulatos em animada conversação falando um idioma totalmente desconhecido para mim e, então, pouco liguei à inflexão ou modulação da conversa, queria apenas descobrir o idioma usado. Ato contínuo pensei: a entonação não é tão importante assim, ela só sobressai ao ultrapassar os limites da normalidade, será? A cabeça é mais loquaz que todos os transeuntes e no mesmo instante pôs a questão: se estiver ventando, um vento forte, a voz se altera como no "efeito Doppler-Fizeau"? Se alguém fala a favor do vento e, depois, fala contra o vento, ouviríamos a mesma voz ou uma mais aguda antes e outra depois, mais grave? Efeito produzido pelo vento e não pelo deslocamento relativo da fonte e/ou observador. (Creio imperceptível a diferença!) Ah, pensamento voraz sempre a cuidar de inutilidades e a escapar do essencial, a fugir da situação concreta, do fato, do presente! Continuei pela calçada poliglota, desatento à cena inédita de cada momento e aos sons somados e ofuscados pela loquacíssima mente. |
Mon, 16 May 2016 10:44:15 -0300 nossa, que barato! que legal!!!! toda mente é loquaz? IgualMENTE loquaz? Aí vai mais uma inutilidade pra "ela" (a mente) se ocupar :) sem assinatura Provavelmente não. Algumas talvez sejam mais barulhentas e outras mais indolentes... Não é possível comparar, creio. A atividade elétrica, passível de aparecer em um eletroencefalograma, não corresponde à loquacidade ou tumulto da mente. A inviolabilidade do cérebro alheio sempre me impressionou. Mon, 16 May 2016 22:39:52 -0300 A mente é muito barulhenta, não é à toa que Beethoven ouvia dentro dela para compor depois de surdo. sem assinatura Que ótimo exemplo, obrigado! Sun, 22 May 2016 18:53:08 -0300 como sempre, seu texto é mais gostoso do que as outras letrinhas que pululam por aí... sem assinatura Como papai costumava dizer, "são os seus olhos"... Tue, 7 Jun 2016 18:25:47 -0300 Gostei mesmo foi do... sem assinatura Sem dúvida, um erro meu ao pontuar: "Continuei pela calçada poliglota, desatento à cena inédita..." |
|home| |índice das crônicas| |mail| |anterior|