Schopenhauer, o filósofo do pessimismo, em seu livro mais pessimista, "Dores do Mundo", que principia afirmando ser a dor a razão última da existência e onde compara prazer e dor assim: "O bem, a felicidade, a satisfação, são negativos, porque não fazem senão suprimir um desejo e terminar um desgosto. Acrescente-se a isto que em geral achamos as alegrias abaixo de nossa expectativa, ao passo que as dores a excedem grandemente." para, em seguida, trazer essa imagem fantástica: "Se quereis num momento esclarecer-vos a este respeito, e saber se o prazer é superior ao desgosto, ou se apenas se compensam, comparai a impressão do animal que devora outro com a impressão do que é devorado." - até ele, que desdenha da mulher em muitos aspectos e afirma ser a dissimulação um dom inato nelas, até esse pessimista crônico reconhece o papel singular da mulher na percepção das coisas: "Acrescente-se, ainda, que as mulheres têm decididamente um espírito mais ponderado, e não vêem as coisas senão tal qual elas são; ao passo que nós, impelidos pelas paixões excitadas, aumentamos os objetos, e aperfeiçoamos quimeras." Afirma isto, não sem antes definir quando um homem deve se aconselhar com a mulher: "Em circunstâncias difíceis é preciso não desdenhar recorrer, como outrora os germanos, aos conselhos das mulheres; porque elas têm uma maneira de conceber as coisas totalmente diferente da nossa. Vão ao fim pelo caminho mais curto, porque fixam geralmente os olhares, no que têm mais próximo. Nós, pelo contrário, não vemos o que nos salta aos olhos, e vamos procurar muito mais longe; precisamos que nos levem a uma maneira de ver mais simples e rápida."
No relacionamento entre homem e mulher, é tão veemente o papel que o sexo assume, que outros aspectos acabam eclipsados. Mesmo assim, a compreensão da difícil e misteriosa complementaridade continua a nos desafiar. É tema central da psicologia - se não o único! - e alimenta a poesia das canções populares pelo mundo afora. Por isso, a observação do filósofo merece ser lida sem qualquer preconceito. O ponto central ali, para mim, está na afirmação de que a mulher tem "uma maneira de conceber as coisas totalmente diferente" da do homem. E aí, entendo conceber as coisas como a forma de obter e processar a informação. Seria perigoso, quando se quer compreender, dizer que é uma forma diferente de raciocinar. O pensamento - processamento dos dados da memória em confronto com os dados recém adquiridos pelos sentidos - este pensar me parece apenas parte de um processo mais complexo, que envolve outras faculdades e, é provável, outras memórias, menos conscientes. Por mais que alguns discordem, o cérebro humano difere dos computadores não só na espécie, no gênero, na família etc. mas certamente na ordem, na classe e no reino, até!
Dizer que há software diferentes para cada sexo é apenas uma metáfora de constatação. Nada esclarece. Como qualquer pseudo-explicação, tem o condão de cessar a investigação. Além do mais, no bicho homem, os processos de evolução da espécie e da "cultura" se misturam e influem reciprocamente. Prefiro as imagens quase místicas dos alquimistas da idade média, que num mesmo cadinho fundiam seus sonhos e crenças, para sublimar a imagem da conjunctio, a união de opostos, na idealização de um ser perfeito e completo, por dispor, simultaneamente das qualidades femininas e masculinas. A psicologia moderna encampou essa imagem para explicar a necessidade que um homem tem da companheira e vice-versa.
Como Deus está no ser humano e, conscientemente ou não, ele busca esse estado apenas intuído ou vislumbrado de comunhão divina, assim também a busca do equilíbrio com a companhia do sexo oposto é uma questão da alma, antes de ser sexual.
Publicada Terça-feira, 1 de Junho de 1999
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