09/03/10
Há alguns anos ela me informou, por telefone, do fim definitivo de seu computador: exalara o suspiro derradeiro, esticara as canelas, ainda que virtuais, algo assaz apropriado para um computador. Extinguira-se em lixo eletrônico. Nos dias subseqüentes ela me ligou muitas vezes para exaltar as delícias da vida real, palpável, não cibernética. Dizia inenarráveis os prazeres advindos do íntimo contato da pele com o sol ou do perfume inesperado de caminhos floridos ou dos passeios ao léu e de todo tipo de intimidade com o mundo fora da tela vítrea de um computador. De vez em quando alertava: não estou fazendo campanha nem tentando te convencer a assassinar teu computador, mas se ele quebrar, por acaso, tenho certeza de que você vai adorar viver sem computador. Falava mais ou menos assim. Dos passeios por espaços fora do ciberespaço, resultou-lhe um cachorro. Foi escolhida por um vira-lata costumeiro em seu caminho. Depois de alguns dias de assédio, ela cedeu e o bicho deixou a condição de sem-teto. Com casa, comida e roupa lavada - um banho de vez em quando e 'cabeleireiro' a cada manhã - Gandi se empenhou em conquistar, de vez, o coração de sua benfeitora. Não demorou muito - uma e outro tinham todos os pré-requisitos a uma união perene. Depois, ela precisou se mudar e se viu obrigada a deixar para trás o amigo que a escolheu (certa vez, na tentativa de se livrar daquele cão a seguir sempre seus passos e a dormir à porta de sua casa, entrou no carro e tentou despistar, assim, o animal, mas ele foi mais tenaz e seguiu o carro em disparada.) Ela se mudou, comprou um computador e um casal desses pássaros em moda, cujo nome não consigo guardar e deu o Gandi para o comprador de sua casa. Conto tais miudezas para assinalar outra insignificância: ontem, não liguei o computador. É bom. |
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