Era uma vez... não, ainda não seria desta vez. Não seria desta vez que o velho contador de histórias conseguiria começar sua história com a magia das três palavrinhas: era uma vez. Há muito sonhava com a simplicidade e objetividade de poder estabelecer o cenário ideal e a época precisa de seu conto apenas com o enunciado 'era uma vez...' Seu desejo, porém, tinha raízes menos comezinhas e se ancorava em emoções antigas em seu peito, emoções cujos ecos lhe voltavam, ainda hoje, cada vez que esbarrava por distração com o condão inimitável da locução da infância: era uma vez... Lembrava bem do relaxamento instantâneo e da sedução envolvente que dele se apossavam quando sua mãe ou sua avó enunciavam, quase como profecia, 'era uma vez'... Tanto bastava para o transportar, criança, a um mundo de encantamento, uma espécie de Terra do Nunca onde personagens devorados por jacarés continuariam a circular por lá, para não faltar, tampouco,suas peripécias e existiriam para sempre também fadinhas tilintantes como sininhos e aspergir brilhos pelos caminhos como constelações de purpurinas. E para tanto batava apenas aquela enunciação, o repetir no tom certo de voz, 'era uma vez...' e as reticências se esparramavam em histórias capazes de transportar a criança a distâncias e tempos que nossos relógios e réguas não conseguem medir. Agora, o velho ouvia ainda ecos daquela corda em si - a vibrar o feitiço do 'era uma vez...' e sonhava contar um conto, ainda que não de fadas, mas a começar com as três palavras mágicas, de condão maior que o sinsalabim e, com elas, recriar o encantamento capaz de transportar no mesmo instante à realidade encantada da ficção. O velho, porém, entre mil devaneios, sem notar, uma vez mais voltava a se repetir e repetir como bobo que era uma vez e outra vez. |
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