desenho de Lu Guidorzi

berro - a parte inútil da vaca

 

 

Policarpo

 04/02/00
 

"aspas"

Você sabe que eu já nasci com cadeado na boca, e que voluntariamente não me exponho, a não ser por deliberado projeto


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Policarpo Assunção começou pelo fim para confirmar as previsões do profeta de Nazaré e declarou ao escrivão ser impossível qualquer nitidez sobre o momento da própria morte, assim como não tinha lembrança de seu nascimento e explicou, sem que nada lhe tivesse sido perguntado que, se lembrasse do parto, ainda assim, jamais saberia, de fato, quando principiou - se na fase de gástrula, antes ou só depois, já feto. Do começo do mundo, insistiu, tudo esqueci. Disse tais coisas, calou e fitou aquele ponto do espaço que os outros não conseguem enxergar com o sonho improvável do encontro dos gametas gamados - o encontro daquele espermatozóide, único, com aquele óvulo, também ímpar e prestes a se arruinar na menstruação iminente. O primeiro e único encontro daquele espermatozóide com aquele óvulo que, apaixonados, se fundiram nele.

Policarpo Assunção, o mais João de todos os Ninguéns, cogitou ainda uma vez se seria, ou não, o acaso um deus. Tudo, obra do acaso! O grande arquiteto, o diretor geral do filme do universo. O maestro invisível da sinfonia silenciosa. Capaz de unir galáxias, ou estrelas, em megalômanas explosões ou duas células invisíveis, com a fúria da paixão que faz todo óvulo e todo espermatozóide correrem um para o outro, num mergulho sem divórcio para costurarem seus retalhos de deeneá, rumo a santos e facínoras, gênios e idiotas... Como todos os bichos e todas as plantas e... a vida! Mas naquele momento Policarpo pensava principalmente em gente, nos gênios e nos idiotas, como ele.

Ei, pode passar! Essa fila é só pra conferir o passaporte - disse o celestial burocrata, sob o olhar atento de uma diabinha sapeca...

[continua]

 

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Pio, o passarinho