autor sem barba - 1999  crônica do dia

Poluição

30/03/06


Rebuscado. É isto. É isto que meus escritos viraram, rebuscados. Com o tempo, o medo dos erros e outras perfumarias e decorações perdi a espontaneidade. Acabou-se a ingenuidade fundamental, que dá à criança seu encanto maior. A vida nos pule para que gestos palavras e, pior, a máscara de nossas faces seja bem comportada, gentil aos costumes e submissa às convenções, tudo luz e cada meneio, cada balbucio se torna politicamente correto, malgrado viole nossas almas, sufoque nossa emoção.

Escreva e escreva e, depois de um tempo, verás um texto de dona Mariquinha: prezada senhora fulana, é com grande prazer que venho por meio desta lhe comunicar ou, então, ao anunciar ausência ou rejeitar convite, se inaugurará o texto estéril, como este, com um solene impossibilitada de comparecer pessoalmente e, a seguir, derramar-se-á o batido rosário de palavras vazias, elegantes qual alunas aplicadas da Socila, que já nem deve mais existir, aptas a banquetes de gala em palácios das brumas opacas de Londres. Tudo puro e inútil rebuscamento.

Ah, que saudade da escrita errada, de português torto e cheia de gafes e tropeções, mas viva, de nove ou oito anos atrás. O rio, porém, não volta sobre si mesmo e as águas que agora nos saciam, podem ser até as mesmas, de volta, em ciclo que nos espanta, mas ainda que o sejam serão outras nesta volta, purificadas como novo deus e a cada um de nós caberia correr suas corredeiras e evaporar-se a seu tempo e, feito nuvem, chover, nevar, o que for e viajar pelos subterrâneos da Terra para brotar em um novo rio, ou no mesmo, e correr de novo criança, inocente outra vez.

Vozes de meus fantasmas ecoam no texto morno da mesmice de Laodicéia a me lembrar o que a amiga costumava dizer: entre eu achar e um cavalo...


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