autor, circa 1996 Crônica do dia

Primeiro de março

01/03/10

Il pleut. Perdão pelo idioma, mas se a chuva é uma surpresa e contradiz previsões calcada em modelos matemáticos e supercomputadores, me vem à cabeça o chover francês, pleuvoir, verbo impessoal que, na língua de Balzac, obriga o uso do pronome, como se fosse imprescindível alguém chover: quem chove?, ele chove e este ele é ninguém e imprescindível.

Não vim, por certo, fazer malabarismos etimológicos e, muito menos, semióticos. Apenas conto um vício antigo: diante da chuva não esperada, a exclamação me sobe: il pleut! É assim, não sei por quê. Poderia ser um espanto simples: chove!, em português rasteiro. Ignoro, também, quem, em mim brada em língua estrangeira.

Não importa, a chuva, sim, causa espécie quando primeiro de março inaugura o último mês do trimestre, depois de um 2009 repleto de águas e abundantes enchentes e inundações perenes.

O domingo, aqui, fecha o mês de fevereiro com chuva fina, contínua, acompanhada pelo gotejar ritmado de folhas e beirais. Havia previsão de um domingo ensolarado. Todavia, o céu, em vez do azul, se desenha monocromático em cinzentos.

Noite de lua cheia se faz sem luar sob o manto pesado de nuvens. A umidade e o frio fecham em tristeza o mês do carnaval. Onde o calor de antes? Cadê a alegria do verão? E é verão ainda apesar das aparências!

Descenderia eu de um girassol? De um urso, talvez? Pois, diante do frio e da chuva, sonho com o condão ter o metabolismo reduzido a seu nível basal e hibernar até o próximo céu azul e sol beleza, inconsciente dos desconfortos de tanta umidade ou dos frios que virão.

São Paulo, por alcunha antiga a terra da garoa (obrigado, Guerra Junqueiro), parece envaidecer-se, neste primeiro de março, feriado carioca, de seu epíteto de umidade.

Nota: Ao tentar gravar o arquivo vi já existir outro com o nome "il pleut" e, então, o chamei de "primeiro de março".

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