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Rota fatal28/03/02O mundo amanheceu menor do lado de cá e acabava aos poucos, antes do fim da rua, envolto em névoa. As teias se destacavam no contraluz pela infinidade de gotículas nos fios. Logo, com o sol, iriam evaporar e a armadilha seria plena em eficácia e mais difícil de ver. Quem enxerga além do fim da rua, pra lá do fim do mundo, descortina horizontes à roda e se deslumbra com as luzes que o céu esparrama quando falham as do homem? Quem tem olhos de ver, faróis de neblina, da barra e umbrais dos oceanos do desconhecido? Quem? Ontem o hino antigo encontrou ecos novos. Por isso, peço a Gide outro hino. É muito mais antigo para mim, mas brilha sempre com a mesma beleza, ou mais. Ela voltou os olhos para as estrêlas nascentes. "Conheço-as tôdas pelos nomes, disse; cada uma delas tem vários . nomes; e tôdas elas virtudes diferentes. Seu deslocamento, que nos parece calmo, é rápido e torna-as incandescentes. Seu inquieto ardor é a causa da violência de seu movimento no espaço, e seu esplendor o efeito. Uma vontade íntima as impulsiona e dirige; um zêlo requintado as abrasa e as consome; é por isso que são radiosas e belas.
"Elas se mantêm amarradas uma à outra por laços que são virtudes e fôrças, de maneira que uma depende da outra e que a outra depende de tôdas. A rota de cada uma está traçada e cada qual encontra sua rota. Não poderia mudar sem distrair as demais, estando cada rota por uma outra ocupada. E cada uma escolhe sua rota segundo a que lhe cabe seguir; cumpre que queira a que lhe cabe, e essa rota, que se nos afigura fatal, é a preferida de cada uma delas, dona que é cada qual de uma vontade perfeita. Um amor deslumbrado as guia; sua escolha estabelece leis e delas dependemos; não podemos evitá-las." O texto fecha "Os Frutos da Terra", de André Gide, que li em tradução de Sérgio Milliet, na segunda edição, de 1966. Ficou a ortografia da época. |
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