Publicação esporádica à guisa de crônica.

Saudade dos quintais

02/08/17


Com a constatação do compromisso comum, os dois meninos voltaram para o interior de seus apartamentos, na certa para os preparativos da missão escola. Ali o tête-à-tête era impossibilitado pelo modo de vida moderno e as soluções impostas pela multiplicação descontrolada de pessoas.

O diálogo das crianças, uma delas personagem da crônica de cinco de novembro de 2014, se dá, vez ou outra, de janela dos fundos para janela dos fundos de dois prédios distintos, situados em ruas perpendiculares. Um mora no segundo andar e o outro, no sexto. A distância entre as janelas é de uns vinte metros ou mais.

Demoro-me nas relações espaciais por serem cruciais na comparação com a vida de uma aldeia, um povoado ou uma cidade pequena. Os prédios se fecham em um quarteirão e encerram um patchwork de lajes escuras e impermeabilizadas, com um ou outro vaso eventual onde viceja uma areca-bambu ou de onde se derramam folhagens rasteiras.

O diálogo das crianças me deu saudade dos quintais, do tempo de criança, de brincar na rua, do contato com terra, com a carne de nosso planeta, de cavar buracos para jogar bola de gude, de rodar piões e mil outras invenções, como fincar um pedaço de cabo de vassoura no chão e nele pregar pelo furo do meio uma tampa de panela, para fazer a mágica de dirigir um ônibus, eventualmente com outro pedaço de pau fincado à guisa de alavanca de câmbio...

De caçar rolinha com uma peneira como arapuca, de encharcar o solo para ter lama - o barro de Jeová! - e com ele esculpir ninharias postas ao sol para secar...

desenho feito aos 10 anos como ilustração para um jornal mural
desenho feito aos 10 anos como ilustração para um jornal mural

Quanto ganhamos? Quanto perdemos? Para aonde nos leva o vórtice vertiginoso do progresso, da evolução?


Curiosidade: O filme Janela Indiscreta (Rear Window) parte da
promiscuidade das vidas empilhadas nesses pátios dos fundos.

Wed, 2 Aug 2017 15:05:49 -0300

comecei a ler adorei adorei adorei adorei, mas, ive de paraar de ler por causa da loucura de trabalho que desabou aqui hoje inesperadamente. Vou ler até o fim, porém, assim que possível. Mas o comecinho é genial com a conversa dos meninos e me lembrou o seguinte (fora, claro, o quinta da Sorocaba do meu tempo, com o chuchu na cerca do galinheiro, bertalha, pintangueira querida minha, coqueiros, goiabeiras, coarador de roupa de madeira!!!!): eu conversava pela janela com o casal de irmãos da segunda casa da vila (atrás da do Seu João), Mauricinho e Maria Alice, meus melhores amigos durante anos, embora a mãe deles não deixasse o menino bricar conosco, dizendo “menina é pra brincar só com menina”. Eles eram netos da dona do jogo do bicho e na casa deles tinhaTRÊS telefones (coisa rara na eepoca) só pro trabalho de “bicheirice”. O pai e a avó ficavam horas ali passando números (dezenas, milhares, certo?) e a gente era proibido de chegar perto daqueles telefones.
Obrigada pela lembrança!

Merda, atualizaram pra mim hoje o OS ou SO pra El Capitan e o mail fica me mandando mensagem na tela cada vez que entra um email. Vc sabe como dsabilitar essa merda?

      sem assinatura

Que legal!

Eu tive o quarto (depois transformado em escritório) defronte a essa janela. Nunca conversei com vizinhos, mas ouvia a ladainha tarde afora: "2503, 4025, 1109, 5567..." Não tinha fim a ladainha de milhares, para decidir, suponho, que bicho daria na cabeça.

Pelas minha contas se pode ler a crônica em cerca de dois minutos e meio, ou menos.

Não sei como desabilitar o aviso do Mail (que só piora de versão em versão).... mas você pode escolher ser avisada apenas pelas mensagens VIP: Mail > Preferences > General > New Mail Notification... No meu não existe a opção para desabilitar...

Merci.


Wed, 2 Aug 2017 12:03:34 -0700 (PDT)

sim, saudades
fica a pergunta, quanto ganhamos, quanto perdemos ...
e aih vem os bebes de genes programados, a super raca, e o resto

      sem assinatura

Obrigado.


Thu, 3 Aug 2017 08:56:55 -0300

Oi, Clôde

Adorei!

Não tive uma infância assim tão bucólica, com rua de terra e, principalmente, com autorização da mãe pra brincar na rua...

Nesse ponto, meus filhos tiveram mais sorte! Ainda tínhamos rua de terra e uma cachoeirinha na rua de trás.

Não sei se já te mandei (se mandei, descarte) uma coleção de falas de crianças que andei colecionando. De vez em quando
me passa a ideia de encontrar um formato para publicá-las. De repente alguma te inspira uma crônica...

Bjs
Ana

Oi, Ana,

Não tinha recebido, não. Comecei a ler e gostei muito. Depois lerei tudo.

Obrigado pela permissão para usar como fonte de inspiração. Quem sabe...

Acho que se você apresentar a um editor ele vai querer publicá-las, mas que sei eu.

bjs, c.

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