Foto de 10 de maio de 2009

Velhice

12/04/17

Posso falar da juventude alheia, a minha só percebo através do filtro turvo da memória de um velho. Nítida é-me a velhice, com o que tem de bom e de ruim. É ela o aqui e agora de um velho a envelhecer. É ela a etapa seguinte a tudo que passou, real como foi cada degrau antes galgado. Nem mais, nem menos admirável como vida a se prolongar até a extinção.

Acompanhei com desvelo a velhice e a morte de algumas plantas e de inúmeras partes decíduas de outros vegetais. Vi também a vida de animais e gente terminar. Aprendi a ver a morte como o fim natural do viver e não como uma ameaça ao indivíduo ou algum tipo de castigo.

"Até a idade de setenta e cinco anos, não detestei a velhice. Encontrava nela inclusive um certo contentamento, uma tranquilidade nova e apreciava, como um alívio, o desaparecimento do desejo sexual e de todos os outros desejos." - assinalou Luis Buñuel em seu "Último Suspiro", apontando uma das coisas boas da velhice.

Concordo com o cineasta surrealista: desejos nos escravizam e provocam obnubilação. O desaparecimento de todo desejo traz, sim, uma nova tranquilidade e sensação de alívio. O "bruto querer" nos atormenta e, saciado, se torna anseio por mais ou frustração.

O desaparecimento dos desejos - tão exuberantes na juventude - se devem certamente a diminuição de hormônios e outros estimulantes corporais sobre nosso cérebro e sua constatação na velhice modifica, também, a percepção que temos de nós mesmos, a perspectiva de nossos motivos e razões, dos arroubos e rompantes tão comuns na juventude.

Contemplamos do novo ponto de vista a possibilidade de um jovem sem o ímpeto e a presunção dos verdes anos, possuidor, todavia da maquinaria impecável dos corpos tenros e com vontade de tudo conquistar... mas, cai a ficha: tal vontade é aquele desejo abolido pela velhice.

Wed, 12 Apr 2017 11:12:35 -0300

Adorei!

Muito sábio o Buñuel. É pena que para algumas pessoas (ou a partir de certa idade???) essa tranquilidade possa ser sentida como tédio
ou falta de motivo pra viver - sinônimo da ausência de desejo?

Se não fosse a decrepitude do corpo, e principalmente do cérebro, bem que a velhice seria uma benção... E pode bem ser para alguns: minha tia mais velha
(ainda tenho duas, irmãs de meu pai) está com 104 anos, com dificuldade de se locomover, mas ainda bastante lúcida - e sua atitude em relação à velhice
se expressou de um jeito engraçada um dia destes (não lembro se já te contei). Ela telefonou pra uma de minhas primas (poucos meses mais nova do que eu) pra
se queixar de que tinha estado no médico, que diagnosticou um problema de tiróide e indicou uma medicação; minha prima tentou confortá-la contando que também
tinha esse problema; resposta queixosa da tia: Mas Tereza, vou ter que tomar esse remédio o resto da vida!!!

Bjs
Ana
Em tempo: atualmente está na moda dizer tireóide em vez de tiróide. Acho muito feio e fui checar no dicionário: as duas formas continuam a existir; e prefiro a clássica, que
soa melhor pra mim...

Ana,

Obrigado.

Muito sábio e um belo livro o "Meu último Suspiro".

Uma delícia a história de sua tia. Acho que no inconsciente permanece o sonho de eternidade (você vai gostar, também, do Homo Deus, do Harari). E não, você não tinha me contado ainda esta história.

Acho que para pessoas de nossa idade soa mesmo melhor tireóide, que para piorar nesta forma perdeu o acento...

"São os tempos que pasmam os indivíduos",dizia o título de uma seção de revista "Ciência Popular", que meu pais assinava ou comprava mensalmente.

É nossa vez de ficar pasmo...

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