Volatilidade

03/06/16

Os sonhos são efetivamente etéreos, isto é, se volatilizam como o éter, sem deixar qualquer vestígio depois de um tempo.

Reli ontem uma crônica de oito anos atrás, onde se conta um sonho extravagante, decerto carregado na ocasião de forte conteúdo emocional. A descrição me pareceu descabida, um absurdo mesmo, como deve, na época, ter parecido aos leitores alheios às comoções do sonhador.

Destituído do conteúdo emocional, não fui capaz de recriar na mente a cena onírica despropositada, das duas aves a planarem sem bater asas, uma pousada no dorso da outra, "sobre o canteiro, do lado de lá do grosso vidro que vedava nosso canto acanhado". Ocorreram-me imagens de peixes pequenos "pegando carona" grudados em outros maiores, mas a cena do sonho aparecia como um disparate.

Comprovava, com surpresa, o desaparecimento radical daquele sonho em mim. Meu sonho se evaporara sem deixar qualquer resquício! Perdera-se no astronômico "manto" de sonhos da humanidade. Desaparecia no nada junto com mil outras aventuras fabulosas ou viagens fantásticas pelo indizível ou pesadelos tenebrosos e amedrontadores ou intermináveis labirintos e mais desafios insolúveis dos sonhos de bilhões de pessoas noite após noite.

É possível existir algum propósito nesses filmes projetados na calada do sono por um cérebro sem censura do ego, mas eles dizem respeito exclusivamente ao sonhador, é óbvio. Talvez possam "funcionar" por um breve tempo após o despertar...

Aos psicólogos a psicologia! Ao leitor pergunto: como anda seu universo onírico? Não espero resposta ou relato, mas me pergunto se em uma sociedade cada vez mais implacável, onde a disputa se acirra e a avidez aumenta, a maré dos sonhos reflui ou monta a ameaçar os baixios da razão?

Por último, um mero registro de observação pessoal: cachorro sonha também...

Fri, 3 Jun 2016 11:49:28 -0300

Ótima, Clôde!


Não são só os cachorros, gatos também sonham - e sabe Deus quantos outros bichos... Me lembrei de um artigo que li há muito tempo, onde se contava de que forma se descobriu COM O QUÊ os gatos sonham (pelo menos os do experimento): segundo os pesquisadores da área, na fase onírica do sono - que pode ser identificada por um exame eletroencefalográfico - há (ou pode haver?) a desinibição de um mecanismo que limita os movimentos durante o sono (seria o mecanismo que não funciona bem com sonâmbulos?). Assim, observando os movimento dos gatos enquanto se registrava o fluxo de suas ondas cerebrais (esse tal exame já antigo e bastante comum), a movimentação dos animais indicou (sugeriu?) que eles sonhavam que estavam caçando (não me lembro se chegaram a concluir se caçavam ratos, baratas? Que pena, dei esse livro para o meu departamento na USP em uma de minhas últimas faxinas - por um ou outro motivo, acabo sempre me arrependendo de doar livros).

Com isso me lembrei de um sonho também antigo, que eu costumava ter em certa época: sonhava que estava voando, o que era agradável até o momento em que percebia que não tinha controle sobre o vôo (acho que esse um psicanalista interpretaria facilmente... e ainda bem que o meu mecanismo de inibição não era desinibido nesse sonho!... Depois de ter filhos tive muitos outros sonhos ruins em que estava com crianças em algum situação perigosa que eu não conseguia controlar.

Atualmente sonho pouco, ou não me lembro do que sonhei (às vezes lembro com quem sonhei, mas não o contexto), mesmo que saiba que sonhei. Mas lembro de alguns outros sonhos muito antigos, um deles também recorrente: quando era jovem, tinha pesadelos de estar presa em um buraco na terra ou em algum lugar estreito no alto de um edifício, sem conseguir sair. Coincidência ou não, sou um pouco claustrófoba e não gosto de alturas. Um outro sonho muito curioso foi na época em que já estava casada, mas ainda sem filhos. Sonhei que estava no mercado de Pinheiros comprando carne para a minha primeira cachorra (eu comprava coração de boi, que picávamos e cozinhávamos com arroz quebradinho e alguns legumes); o açougueiro abria um freezer, de onde tirava um bebê, e em seguida arrancava o coração do bebê para embrulhar pra mim. Argh! Uma amiga psicanalista interpretou que eu estava me sentindo culpada por dar à cachorra o que queria dar para um bebê... E em outro, que também foi só uma vez, eu estava sem controle de um carro enorme cheio de crianças, conseguia parar porque batia em alguma coisa, e encontrava o ********, que aparecia como um gigante. Esse eu mesma interpretei: eu ainda precisava dele, mas ele não precisava mais de mim porque tinha crescido...


Que tal! Freud devia ter alguma razão...

Bjs

Ana

Amiga Ana,

Obrigado, pelo elogio e pela aula. Adorei.

Eu ia colocar gatos, mas não tinha certeza de ter percebido meus gatos a sonhar... Os cães, sim, sem sombra de dúvida.

Nunca esquecerei um sonho relatado pelo Jung, no "Minha Vida: Sonhos, Memórias e Reflexões" onde ele voava e tinha uma visão como de um satélite ou estação espacial da Terra... Acho que só duas vezes sonhei estar voando. Adorei, mas não cheguei à estratosfera... Lembro também de terem brigado, Freud e Jung, por causa de sonhos... mas não lembro mais sonhos de quem e o motivo do desentendimento.

Foi por sonhar pouco atualmente, somado à coincidência de reler aquele sonho antigo, que surgiu essa crônica. Sua descrição de seu não sonhar ou não lembrar atual se confirma integralmente com o que percebo em mim.


Fri, 3 Jun 2016 08:56:20 -0700 (PDT)

cachorro sonha tbm ... interessante
e gato? e sapo? e esquilo? alguns dos bichos ao meu redor ...

interessante sua observacao sobre a possivel mudanca do universo onirico devido a mudanca do universo desperto

Achava que gato sonhava, mas não tinha a mesma certeza como em relação aos cães.
Não perca o ótimo relato de uma professora de psicologia da USP em réplica a esta crônicaEla responde a sua pergunta.


Fri, 3 Jun 2016 23:43:26 -0300

eu nunca lembro do que sonho

e digo isso pq dizem os cientistas q todos sonham

na minha perspectiva... não sonho rsrsrsrs

      sem assinatura

Nem mesmo quando criança você lembrava dos sonhos (posta a opinião dos "cientistas")?

De todo modo, é um ótimo exemplo de quanto mudam as coisas (ou sua perspectiva) em função do ponto de vista...

Grato pelo registro. Ah, em tempo, gatos sonham também (segundo eles).


Wed, 8 Jun 2016 17:16:49 -0300

Sem qualquer dúvida...
claro que o cachorro também sonha... Nunca vacilei a respeito.

      sem assinatura

É fácil de constatar, né?

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