O Grilo Falante
20/04/17
Era apenas a centésima vigésima primeira crônica - e digo apenas diante das 1571 atuais. Escrita há exatos dezenove anos, ela soube avivar em mim muitas coisas já esquecidas. "A vida é muito curta" - repete-se o bordão por toda parte e a qualquer pretexto e cada vida encerra um conjunto de episódios insignificantes mas, eventualmente, cheios de "significados pessoais", realçados ora por tintas suaves e delicadas, ora carregadas de intensidade e cor. Ao contrapor o viver ao sonhar, o texto antigo divaga em torno de uma imagem estereotipada de amplos e verdes espaços ao ar livre cortados por airosos cavalos em galopes fogosos. O título da crônica pergunta: sonhar ou viver? Passados 6940 dias, até a pergunta me soa absurda. Como comparar a realidade com o sonho mais fabuloso fabricado por um cérebro a dormir ou devanear? Comparar o que é com uma fantasia. Seria equivalente a tentar matar a fome assistindo a um ótimo filme sobre os melhores quitutes. Não se pode saciar o estômago com imagens espetaculares de nossas comidas preferidas. Tampouco é possível aplacar a sede ao ver um filme sobre água, com os mais cristalinos riachos. O sonhador pode se ver mergulhado na água mais límpida e despertar sedento. Apesar de convivermos com inúmeras ficções produzidas pelo espírito humano, precisamos de água, alimento, abrigo e agasalho. Como assinalou Einstein, "a mera existência do estômago" nos torna dependentes desta quadra. A esta altura o Grilo Falante ponderou: ainda assim a fantasia, o sonho, o devaneio também fazem parte da realidade, eles também são o que são, ou não? Sim, senhor Grilo, os sonhos são também realidade, como os devaneios, as lendas e toda imaginação, uma realidade isenta de materialidade e, por isto, incapaz de saciar as necessidades da matéria, inclusive do estômago. |
Fri, 21 Apr 2017 22:40:46 -0300 Que bela crônica, Clode! Luca! |
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